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segunda-feira, 24 de junho de 2013

Desabafo de um grande pensador
















Coisas da maturidade…

Ganhei coragem.

“Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece”, observou Nietzsche.

É o meu caso. Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo. Por medo.

Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe acerca da hora em que a coragem chega:

“Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos”. Tardiamente. Na velhice.

Como estou velho, ganhei coragem.

Vou dizer aquilo sobre o que me calei: “O povo unido jamais será vencido”, é disso que eu tenho medo.

Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política. Mas Deus foi exilado e o “povo” tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo.

Não sei se foi bom negócio; o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de TV que o povo prefere.

A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica. Nada mais distante dos textos bíblicos.

Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas.

Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha para que o povo, na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro. Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.

E a história do profeta Oséias, homem apaixonado! Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava! Mas ela tinha outras idéias. Amava a prostituição. Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão. Até que ela o abandonou. Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos. E o que foi que viu? Viu a sua amada sendo vendida como escrava. Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse: “Agora você será minha para sempre”. Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus.

Deus era o amante apaixonado. O povo era a prostituta. Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável. O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros, porque os falsos profetas lhe contavam mentiras. As mentiras são doces; a verdade é amarga.

Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo.

No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos sendo devorados pelos leões. E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos! As coisas mudaram.

Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo. O circo cristão era diferente: judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas. As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.

Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro “O Homem Moral e a Sociedade Imoral” observa que os indivíduos, isolados, têm consciência. São seres morais. Sentem-se “responsáveis” por aquilo que fazem. Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções coletivas. Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo tornam-se capazes dos atos mais cruéis. Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.

Indivíduos são seres morais. Mas o povo não é moral. O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.

Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade. É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia. Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão. Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens. Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras.

O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade. Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.

Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo.

Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.

Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária. Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.

O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava o Führer. O povo, unido, jamais será vencido!

Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos. Mas, que posso fazer? Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de Saramago, de silêncio; não gosto de churrasco, não gosto de rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol. Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos e a engolir sapos e a brincar de “boca-de-forno”, à semelhança do que aconteceu na China.

De vez em quando, raramente, o povo fica bonito. Mas, para que esse acontecimento raro aconteça, é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute: “Caminhando e cantando e seguindo a canção”, isso é tarefa para os artistas e educadores.

O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.

Rubem Alves

Fonte: edupirollo.blogspot.com.br
Foto: Google

terça-feira, 11 de junho de 2013

Guaipi


Guaipi é um indiozinho muito alegre! Todos sabem quando ele está por perto... - faz tamanha barulheira com o tambor que ganhou do amiguinho da cidade, que ensurdece.

Bentinho é como se chama o amiguinho de Guaipi. Filho do Dr. Antonio Bento, que vai à aldeia, semanalmente, prestar assistência médica voluntária, aos seus moradores.

Como as visitas do Dr. Antonio Bento são aos sábados, Bentinho não perde a feliz oportunidade de acompanhá-lo, pois não precisa ir para o colégio neste dia... Estiveram ali muitas vezes, no decorrer dos dois últimos anos.

Às vezes, se as consultas tornam-se mais demoradas e precisa que se estendam até o domingo, eles pernoitam na aldeia. Tomam pousadas, na cabana do velho amigo e querido padre Jacinto, junto à simplória capelinha. E ainda participam da missa, logo cedinho…

Depois de observá-los por já algum tempo... - sempre juntos e tão contentes - o padre Jacinto, conjecturava que os garotos pareciam dois bons irmãos: são muito amigos! – dizia ele - e conciliam muitas atividades com satisfação, embora suas realidades sejam bastante diferentes...

Guaipi frequenta uma escolinha da aldeia, e sempre pede para Bentinho orientá-lo nas lições mais difíceis. Bentinho o faz com agrado. E, Guaipi, por sua vez, lhe fala sobre a natureza exuberante e tão próxima dele!... Bentinho afirma extasiado: é mesmo muito divertido poder brincar aprendendo, aqui neste sítio tão viçoso e encantador, que abriga a aldeia!

Como estavam comemorando a semana do meio ambiente, no seu colégio, Bentinho resolve contar para Guaipi, que naqueles dias, havia aprendido, com sua professora, que a Mata Atlântica já vem sendo devastada desde a época do Brasil – colônia. Iniciou com a extração do pau-brasil, porque dessa madeira se retirava uma tinta vermelha, utilizada como corante de tecidos. Hoje - completa ele - esta tão frondosa árvore, só é encontrada em alguns jardins botânicos e está ameaçada de extinção... Conta também que se retirava da mata, madeira para a construção de navios, engenhos e cidades. E que a ocupação do homem na faixa litorânea, pela facilidade de transporte, na época do cultivo da cana-de-açúcar e do gado, por ter sido mal planejada, causou graves danos, ocorrendo o desperdício de recursos naturais... Enfatiza ainda que, mesmo com a mudança de culturas, da cana-de-açúcar para o café, o algodão e as frutas para serem comercializadas, fizeram com que a floresta fosse mais sacrificada, para abrigar os núcleos habitacionais, que de maneira desenfreada, utilizavam a sua madeira, que servia às olarias e usinas geradoras de energia... E toda essa devastação foi feita em nome do progresso - afirma Bentinho - restando da Mata Atlântica, só 5% da área original, que continua sendo ameaçada e invadida nos dias atuais.

Após a sua intensa e angustiante preleção, Bentinho percebeu que Guaipi, num silêncio aflitivo, só despregou-lhe os olhos marejados de lágrimas, quando ele terminou de falar...

Emocionado, pois, enquanto relembrava suas aulas, sentira ainda mais a questão, tentou serenar o amiguinho, mas as palavras não lhe ocorriam - num triste suspiro, o abraçou…

Suas fisionomias deixavam transparecer o quanto estavam preocupados com o desdém que ainda sofre o meio ambiente. Guaipi, num desabafo, bradou: “Haverá maneira de mudar a cabeça das pessoas?”. Bentinho não respondeu, e cabisbaixo, mais uma vez, suspirou com desesperança…

A tarde estava quente, e através das copadas e belas árvores, o sol insinuava-se ardente, com seus raios flamejantes, energizando o terreno, por onde medravam as espécies silvestres... Guaipi, enxugando disfarçadamente o rostinho, segura na mão de Bentinho, e dando prova de sua grandeza d’alma, mostra firmeza, falando:

- Veja amiguinho, aqui ainda é um lugar abençoado! Venha comigo correr, andar pela mata… Ela é perfumada, verdejante, com sombras deliciosas, muito bonita e alegre com os rumores dos pássaros que vivem felizes aqui! Vou mostrar-lhe também a água que escorre cantando da nascente, tão límpida e fresquinha que faz gosto! E o lago então, como é lindo e transparente, onde tomamos banho e lavamos a roupa, mas sem sujá-lo, porque nós amamos a natureza, pois sabemos que ela é sagrada!

Ao entardecer, quando retornava com seu pai, para a cidade, Bentinho, calado, tomado pela tristeza, vai imaginando em como seria perfeito, maravilhoso mesmo, se todos reverenciassem a Mãe Natureza, como a gente boa, humilde e feliz daquela aprazível aldeia!

Então, num arrebatamento, exprime enérgica e claramente sua opinião, ao seu pai, que o olha com silente deferência e impressionado, com a consciência desenvolvida daquela criança, de coração tão nobre! De repente, uma brisa suave percorre os campos, que circundavam a estrada por onde passavam...



©Daura Brasil
São Paulo, 2007

         
***Semana do Meio Ambiente ***                                                  


(O presente de Bentinho para Guaipi)